O procurador Paulo Douglas de Moraes fala sobre a Lei 12.619

 

O procurador Paulo Douglas de Moraes relembra os fatos que levaram à aprovação da Lei do Descanso e defende sua aplicação imediata.

Em 2007, a mulher de um caminhoneiro entrou na Delegacia do Ministério do Trabalho em Rondonópolis (MT), reclamando que era “viúva de marido vivo”. Segundo ela, por causa da abusiva carga de trabalho e dos rebites, seu marido tinha se afastado do convívio familiar. A mulher fez uma dramática narração das condições de trabalho do marido.

Quem a ouviu foi o médico Lamberto Henry, que, chocado, pensou em convidar alguém do Ministério Público do Trabalho para investigar a história contada pela mulher e verificar qual poderia ser o tamanho do problema. Quantos caminhoneiros estariam vivendo naquelas condições? O procurador Paulo Douglas Almeida de Moraes se interessou pela questão. Ali começava a se desenhar a Lei do Descanso (12.619).

Paulo Douglas havia acabado de ser nomeado para Rondonópolis. Ele já tinha sido juiz de Direito, mas por pouco tempo. Como havia passado também num concurso do Ministério Público do Trabalho, preferiu esta função. Para ele, o Ministério Público é a ponte entre a Justiça e aqueles que não têm coragem de acioná-la. “A desigualdade no nosso País é muito grande”, afirma. E procura agir com base no sonho “de uma sociedade verdadeiramente justa”, embora ele mesmo faça esta ressalva: “Não sejamos ingênuos, esse dia não será visto por mim ou mesmo pelos meus netos, mas isso não importa. Não importa se desfrutaremos da justiça plena, basta que lutemos por ela”.

Assim pensando, Paulo Douglas partiu para buscar a comprovação do problema, com o apoio de seus colegas de procuradoria na época – faz questão de citar os nomes de Adélio Lucas, Alessandro Batista Beraldo, Priscila Boaroto e Rogério Sitônio Wanderley.

“Nas rodovias, constatamos que a situação narrada por aquela mulher era a realidade de uma grande legião de motoristas”, afirma. Isso foi possível com a realização de exames de urina em motoristas que aceitaram participar de pesquisas feitas em postos da Polícia Rodoviária Federal. Em Rondonópolis, em 104 amostras de urina, 3% deram positivo para cocaína e 8% para anfetaminas (rebite), mas, nas entrevistas, o procurador percebeu que 30% dos caminhoneiros usavam drogas e 31% trabalhavam mais de 16 horas por dia ao volante. E em outra pesquisa, em Diamantino (MT), o resultado de 103 exames de urina falou por si só: 15% deram positivo para cocaína!

Isso fez o procurador Paulo Douglas ajuizar uma ação civil pública proibindo os caminhoneiros de trabalharem mais de oito horas por dia, como diz a lei para qualquer trabalhador, “e, a partir daí, patrões e empregados sentaram para encontrar uma solução”, lembra ele.

Um juiz concedeu liminar mandando obedecer esse limite imediatamente, em todo o Brasil, e aí houve reação… dos próprios motoristas. “Algumas empresas mandaram seus empregados para a frente do prédio onde trabalhávamos para protestar”, diz o procurador. O protesto se estendeu a uma rodovia, lá mesmo em Rondonópolis, que ficou dois dias bloqueada. O desfecho teve polícia, bombas de gás, balas de borracha e mais de 30 trabalhadores detidos. “Usam os trabalhadores, sem nenhum pudor, para que eles lutem contra seu próprio direito”, diz o procurador.

A lei foi feita por quem entende

Aos 42 anos, hoje Paulo Douglas Almeida de Moraes trabalha em Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, cidade onde nasceu.

Ele diz que o texto da Lei 12.619 foi resultado de muitos debates e de um longo amadurecimento. “As discussões em torno do limite da jornada de trabalho e do tempo de direção dos motoristas se estenderam por cinco anos, com a participação de todos os interessados. Quem não esteve presente é porque foi negligente. Só a reuniões no Congresso Nacional eu compareci sete vezes”, diz.

Ele diz que entidades de classe, investidores, governo e os próprios motoristas precisam fazer agora uma escolha decisiva: ou se impõe logo a obrigação de descansar aos motoristas, e o governo e a iniciativa privada tratam de preparar locais de descanso para eles; ou se vai pensar, primeiro, em ter boas estradas em cujos projetos já estejam previstos os locais de descanso, para só depois se exigir o repouso aos motoristas. “O que o Ministério Público do Trabalho entende é que, se formos esperar uma ampla melhoria da malha rodoviária, ficaremos várias décadas sem que os motoristas tenham direito ao descanso. E essa situação tem custado milhares de vidas a cada ano.” Para ele, esse tem sido um custo muito mais alto do que qualquer custo financeiro que o descanso do motorista represente para o transportador, seja ele uma empresa ou um autônomo.

Só desorganizados são contra

O procurador Paulo Douglas tem críticas ao Movimento União Brasil Caminhoneiro (MUBC), que liderou uma greve de motoristas em protesto contra a Lei do Descanso, em julho. Para ele, a manifestação foi ilegítima. “Diziam que representavam os motoristas quando na verdade o único interesse por trás da greve era o das empresas desorganizadas”, declara.

Tendo negociado durante cinco anos com a Confederação Nacional do Transporte (CNT), ele acredita que as transportadoras organizadas são majoritariamente favoráveis à lei.

O procurador afirma que o MUBC usou de “terrorismo econômico” contra o governo ao propagar que haveria um aumento de 35% do frete com a lei. “Era apenas um chute.”

Ao pedir também a revogação da Resolução 3.658 da ANTT, que aboliu a carta-frete, o MUBC estaria, na visão de Paulo Douglas, defendendo a sonegação de impostos. “Isso é ilegítimo”, considera o procurador.

Fonte: FETROPAR (14.11.2012)

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